sábado, 6 de março de 2010

vamos lá ser bons humaniscas

Aprofunda-se a crise e, para gáudio de alguns, a pobreza vem à tona, por isso, não faltam por aí causas para abraçar, mas ao longe.
Sempre me provocou tremendo espanto o devoto que, ajudando o outro, não vê que se ajuda a si mesmo. Ou haverá alguma maneira de sentirmos o mundo que não a de através de nós próprios?

"Nunca percorri estrada

que não fosse a de egoísmo

bem andada

e com cinismo

mas cheguei agora ao fim

não amo os outros por eles

mas por mim"


Agostinho da Silva


É por isso que escrevo hoje. Por me encontrar diariamente, e que infortúnio, amiúde, com tantos que se julgam superiores porque se dizem, em auxílio do próximo.
Um exemplo presente é o do Haiti em que tantos foram para aí exercer a dita ajuda humanitária. Pois será, humanitária porque é o que querem fazer, pois sentem a necessidade de ir e, ficando, sentir-se-iam mal. Então o que os molesta não é, de certeza, o sofrimento alheio, que esse julgo impossível que sintam, mas a sua própria insatisfação. Mas mesmo assim estes, os peregrinos humaniscas, são os que me incomodam menos, já que se vão embora e não ouço os seus trejeitos em mal praticarem o bem.

Incomodam-me mais aqueles que, por exemplo, nas filas de supermercado, dão, pobres deles, um quilito de arroz a não sabem bem quem. Nem querem saber, já está dado e podem seguir a sua existência com a certeza dos bons humaniscas que são. Estes sim provocam-me convulsos arrepios, pois a caridade apenas perpetua a pobreza. É a boa maneira democrática-cristã que hoje está instituída e vulgarizada como bom valor por quase toda a sociedade. Senão, façamos a análise de uma outra forma, se a todos esses que se dignam a dar uma migalha lhes fosse proposto um nivelamento de forma a não existirem pobres e, com isso, ficassem eles sem certas regalias que hoje tanto prezam, aceitariam? Duvido muito, ou melhor, poucos o fariam.
Mas se o meu ponto de vista pode parecer imoral, faça o leitor o desafio de se pensar pobre e imaginar, nessa situação, o que desejaria: a caridade ou uma solução definitiva do seu mal estar?
Pois bem, esse é o problema, é que muitos querem ajudar mas poucos querem, de facto, mudar alguma coisa. Será por que se sentem bem assim, como bons samaritanos sem se darem conta da hipocrisia que os seus actos acarretam.

Podia também falar do mercantilismo da caridade, que nessas recolhas de supermercado ficam as grandes superfícies bem vistas quando na verdade apenas aproveitam essa máscara para venderem mais. Senão, já que estão todos de tão boa fé, que abram as portas e deixem levar quem nada tem.
Fazem-me lembrar esses artistas [sic] que, por artimanha, criaram essa nefasta coisa chamada "live aid". E ainda há quem diga bem destas iniciativas, que pense que sim senhor, que os artífices (recuso-me a chamá-los de artistas) querem mesmo ajudar quem não tem os mínimos para uma sobrevivência digna.

Hoje os famintos servem para vender cd's, ou camisolas como no caso da Benetton. É desumano apropriarem-se da miséria alheia para benefício próprio. Posso ainda citar uma situação que talvez no futuro seja apelidada de exploração infantil, ao invés de boa acção como é hoje, a dessas pessoas do star system que adoptam crianças, oriundas de países com sérias dificuldades, para realçarem as suas carreiras, felizmente algumas instituições de direitos humanos já abriram os olhos para a verdadeira cara destes malfeitores.
Num mundo de desperdício (e que desperdício de mundo!) talvez fosse hora de pensar o outro com igualdade e não com caridade.


José Barata-Moura

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