quarta-feira, 3 de março de 2010

o funcionário joaquim

Diz o povo que mais vale tarde do que nunca, por isso, decidi escrever sobre as calamitosas acções que o governo local tem levado a cabo nessa terra donde provenho, a Guarda.
E, como para falar (se tivesse paciência) de todas as tropelias e artimanhas que estes executivos têm feito teria de adentrar-me de tal forma em tantos e diversificados temas, que tal me levaria a regurgitar compulsivamente, decidi, posto isto, falar apenas do caso da muralha da cidade e a leviandade com que se prostituiu essa zona da cidade; em prol, dizem, do progresso, da inovação e das mais profundas reivindicações e necessidades da população: a construção de um "shopping".
Isso, repito, dizem por ai, pois eu digo que foi em função dos interesses económicos, da selvajaria imobiliária, exemplo crasso da servidão e submissão política aos grandes grupos argentários.
Para esta reflexão não tenho mais que expor os argumentos desses doutos da evolução, ora vejamos:

«(...)o presidente da Câmara da Guarda, Joaquim Valente, disse que o projecto "é importantíssimo para a Guarda”.
Salientou que, para além da criação de novos postos de trabalho “é uma oportunidade para introduzir pessoas no Centro Histórico, que vão alimentar as actividades e a economia” locais.
Joaquim Valente considerou o equipamento como um bom exemplo em termos de requalificação e valorização de uma zona da cidade que estava abandonada.»
in Nova Guarda 21-02-08

O que me chama primeiro a atenção é o facto do funcionário Joaquim não conhecer, ou fazer vista grossa à distinção entre trabalho e precariedade, pois este investimento não gere postos de trabalho mas sim instabilidade, salários ridículos e contratos temporários (muitos em part-time que serão ocupados, por exemplo, por estudantes do IPG ou jovens, alguns até qualificados mas, infelizmente, a câmara não criou condições para eles se empregarem, e, mais recentemente, temos os desempregados da Delphi mesmo a jeito da exploração febril deste grande investimento), a tudo isto já nos habitou, sobretudo com o Código do Trabalho, o Ps (note-se a minúscula como figura de estilo).

Vejo também a sintomática questão de esquizofrenia da qual padece o executivo, então quem será responsável pelo abandono do centro histórico? Ou façamos a pergunta ao invés, quem são os responsáveis pela construção histérica e desenfreada que descaracterizou a Guarda por completo em vez de se apostar na dinamização dessa zona? (mas isto são contas de um outro rosário).

Já agora, convém não esquecer o programa Polis, que preparou a zona para o "shopping", como o fez, também, para o hotel da avenida.
O mais fastidioso disto tudo é a usurpação do património para regozijo de uns poucos, pois transformou-se a muralha num adereço do mamarracho, como se essa existisse para o abrilhantar, isto, para não falar da polémica que ainda se mantém por lá, com a contígua construção particular de um conhecido empreiteiro local, à boa maneira feudal que parece fazer escola na Guarda enquanto a câmara lhes faz escolta.

Enoja-me ainda o facto da população pouco ou nada se interessar por estas matérias, estando mais ocupada em deleitar-se neste espírito consumista (e consumidor, já que penso que consumir é, de certo modo, consumir-se) do que em questionar a justeza destas acções.
Mas se a gente do burgo, funestamente reaccionária e obediente, se está nas tintas para estas chatices, que dizer do IPPAR? Bem, esta entidade "independente" aprovou o projecto, o que, a mim em particular, nada me choca, já que a sua existência, como a de mais entidades reguladores, ditas "independentes" (não sei de quê ou de quem), serve simplesmente para perpetuar a hegemonia das empresas nas decisões políticas; pois agora já não se pode culpar o executivo da decisão, aliás a resposta da câmara é exactamente essa: "O IPPAR aprovou."

Para acabar proponho que o grupo FDO imobiliária e os outros grupos económicos distingam o funcionário Joaquim com um título honorário, pois parece-me assaz evidente que é para eles que anda a trabalhar, isto porque ainda não é permitido às empresas pagarem um soldo ao dirigentes políticos em funções (senão veja-se o exemplo dos exemplares Jorge Coelho ou Pina Moura).
Isto faz-me lembrar esse livro do Saramago em que as pessoas começam a habitar dentro dos centros comerciais, pouco falta convenhamos.


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